Porque o sistema prisional não é a solução

Diante de tantos discursos políticos que prometem mais segurança sem remeter a real situação, a terceira mesa-redonda desta quinta-feira promoveu um debate sobre o sistema prisional brasileiro. O professor Herbert Toledo Martins (UFSB) assumiu o papel de coordenador e debatedor, apresentando uma breve estatística sobre este conjuntos de elementos em questão antes de passar a palavra aos professores Luís Claudio Lourenço (UFBA) e Riccardo Cappi (UFRB).

O perfil dentro do sistema prisional mostra que a maioria dos presos é jovem e se encontram na faixa etária entre 18 e 34 anos, correspondendo a um universo de 55%. Os dados sobre a questão de cor e raça apresentam que pardos e negros são 64%, brancos 35% e amarelos ou indígenas 1%. Quando se fala em grau de escolaridade, o perfil deste público mostra que 30% dos detidos têm o ensino fundamental incompleto e 36%, analfabetos.

Após apresentar a fração representativa de um universo estatístico, Luís Claudio Lourenço (UFBA) propôs uma reflexão sobre um discurso mais normativo que não costuma ser abordado para se pensar em punições no Brasil. “Vou falar de uma perspectiva dentro das ciências sociais que nos mostra tanto as falhas dos gestores, quanto do Direito também. Desfazer equívocos sobre o campo da prisão e punição”, revela.

A primeira questão que Lourenço aponta como mal interpretada diz respeito ao superlotamento em prisões  e as prisões provisórias. Estes fatos não ocorrem somente no Brasil, mas são realidades em toda parte do mundo. O problema do encarceramento é global. De acordo com o professor da UFBA, em média, existem 35% de presos provisórios no mundo. O segundo mal entendido é acreditar que a prisão está em conformidade com a lei.” É um dispositivo punitivo altamente em desconformidade com a lei. O Estado prende sem ter condições de manter as pessoas presas. O Estado é arbitrário na manutenção da vida urbana no interior do cárcere. Como a gente pode legitimar um interesse de punição que não dá as condições previstas em lei para a pessoa ficar presa, custodiada?”, argumenta.

A prisão não é um organismo justo. Também não é a expressão da lei. É, sim, um dispositivo de punição mediante algumas variáveis sociais. O público que se encontra encarcerado quase em sua maioria são pobres, não tem acesso aos recursos jurídicos para sair do estado de privativo de liberdade. A prisão funciona mais como um controle social voltado para este público com um mecanismo de sanção universal. 

Outro alerta recaí sobre o contexto eleitoral atual no qual os discursos afirmam que a prisão é o castigo adequado. A ideia passada é simplista e faz com que os menos informados sobre o Direito Penal. Acreditam que alguém que comete um crime grave, sofrerá o ‘castigo justo’.”Nada mais mentiroso. Quando a gente entra no espaço prisional quem cometeu os piores crimes está fazendo trabalhos de jardinagem, praticamente gozando de uma certa liberdade, tem um ótimo comportamento. Não existe nenhuma amostra empírica que prove que o crime é determinante para o que o preso fará dentro da prisão. Depende de sua rede de relacionamentos”, enfatiza Loureço.

Pensa-se também que a prisão é um espaço mantido e  gestado pelo Estado. O professor da UFBA afirma que não é. “O preso hoje é muito mais mantido pela família que pelo Estado. Dinheiro, compra de uniformes e outros recursos. Há também toda uma economia informal que existe no espaço prisional. Os bens e serviços não são gratuitos, são comercializados”. E próprio Estado abre espaço para isso.

Genilson Lino da Silva, mais conhecido como Perna, estava preso na penitenciária Lemos Brito por tráfico de drogas. Em 2008, foi transferido para o presídio de Catanduvas, no Paraná,  por ter sido flagrado com duas pistolas, 280 mil reais e a cópia da chave da própria cela. Quem determinou a transferência para uma unidade federal foi a 2ª Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça da Bahia.

Lourenço lembra que não se pode entender a prisão como um espaço unilateral do Estado. O exemplo acima mostra a questão das relações estabelecidas dentro do sistema prisional. Mudar esta ordem estabelecida da economia informal ou do privilégio pode custar muita mais caro aos gestores desses locais. Portanto, a liderança é negociada para manter a ordem. 

Mesmo apresentando um perfil, o sistema prisional no Brasil não tem um padrão. “A gente não sabe quantas pessoas estão presas, quantas pessoas saem por ano. Se a gente não sabe  quantas pessoas saem da cadeia por ano, como  vai se produzir políticas para aqueles que saem do sistema prisional? As informações não são confiáveis, não temos sistematização do sistema de gestão, pois muda de unidade para unidade. Mesmo num complexo prisional, você tem unidades que parecem feudos”, descreve Lourenço.

Riccardo Cappi, professor da UFRBB e criminólogo, tem como objeto sociológico de estudo a expressiva quantidade de prisões no Brasil e as condutas que envolvem os atores que penalizam. A primeira ideia trazida é sobre como juízes, promotores e profissionais de segurança pública vêem o problema da superlotação. Cappi discute o sistema de ideias que circundam o âmbito penal e como é pensada a sociedade.

A primeira observação que é feita pelo professor da UFRB é a palavra castigo. Quase sempre ela é relacionada a pena privativa de liberdade. Os agentes do Direito Penal não vislumbram outro pensamento. Percebe-se que a pena para esse grupo está ligada à privação de liberdade.”Mas por que nós insistimos com essa ideia se já está hiperdito que não resolve os problemas, que as penitenciárias estão falidas?”

Dentro da lógica da punição, quem comete um crime tem que ser castigado pelo Estado. Mas não basta o castigo. É preciso que o Estado dê uma resposta negativa, abstrata, atomista e hostil. ” Negativa porque se cometeu um delito. Abstrata, porque nós não dominamos as consequências produzidas pelo castigo. O fato de ser atomista é porque precisa de um culpado. A resposta do Direito Penal vem através de um culpado. Hostil porque é preciso que o culpado vire palco do rancor, do ódio do sistema a sociedade como um todo”, enumera Cappi,

Estas quatro ideias são constantes na sociedade e remetem a situações de um  suposto merecimento ‘errou tem que pagar’, de sofrimento em serviço para dissuadir tanto a pessoa que pratica o crime como o conjunto da sociedade; a reprovação precisa ser castigada e o castigo comunica a sociedade que a conduta é rejeitada e a prisão serve como ambiente de ressocialização. “Estas ideias fazem parte de nosso repertório. É necessário punir para renovar a conduta. O fato de recorrer  a pena privativa de liberdade se sustenta num sistema de ideiais que não funciona só para o infrator, funciona também para nós”.

Quando se evidencia o abandono,  falta de ressocialização,  a lógica que prevalece é a da eliminação. O sistema prisional, pela falta de sistematização e pelos atores que não procurarem outras soluções, gera problemas maiores para a sociedade. Cappi ressalta ainda que há pessoas que não são consideradas criminosas, mas cometeram desastres ambientais, matam famílias e milhares de pessoas precisam assumir prejuízos de ordens social, econômica e emocional. Os agentes que cometem uma conduta criminosa em proporções avassaladores geralmente não são nomeados pelos agentes do Direito Penal como criminosos. 

“Dentro da arena penal precisamos abrir mão daqueles postulados. Precisamos pensar em respostas menos negativas e mais positivas. Por que não menos abstratas, respostas mais concretas proporcionadas pelos crimes praticados, menos atomista, menos hostis? Ou seja, para abrir mão da pena privativa de liberdade, nós precisamos abrir mão de um sistema. As primeiras grades são aquelas que o nosso pensamento está aprisionado. Por isso, temos dificuldade em abandonar, deixar a lógica da pena penitenciária. A falência da prisão nasceu de sua criação”, finaliza Cappi.

 

 

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